sábado, 18 de junho de 2011

Texto : Linguagem e Comunicação - Filme O Terminal

O filme "O Terminal", que tem como protagonista Tom Hanks (atuando como Vicktor), trata sobre um estrangeiro que desembarca nos Estados Unidos quando seu país de origem, "Krakozhia", sofre um golpe de estado e seu passaporte fica inválido.




Sua primeira tentativa de comunicação foi com o diretor do aeroporto Sr. Frank Dixon. Vicktor, por não dominar o código linguístico do lugar, limitava-se a pronunciar frases prontas, decoradas e anotadas em um guia de viagens, não havendo, assim, êxito no diálogo.


Posteriormente, foram dados a Vicktor objetos voltados para a comunicação como um bip, vales refeição e um cartão telefônico, porém não foram utilizados de imediato porque este não sabia do que se tratava. Enquanto não se encontrava a solução para o problema de Vickor, ele permaneceu morando no aeroporto por meses, sempre na tentativa de aceitarem a sua entrada no EUA.



Percebeu o quanto estava isolado do mundo ao ouvir o hino da Krakozhia e ver o seu país em destruição total e queria saber o que estava acontecendo, mas a legenda apontada no jornal não permitia que entendesse do que se tratava, porque estava escrito numa língua que não dominava.

Incomodado com a situação, compra dois livros iguais em línguas diferentes e começa a se familiarizar com o código linguístico local. O aeroporto por sua vez é muito bem sinalizado, mas mesmo assim Vicktor se atrapalha com algumas placas, entra no banheiro feminino ao invés do masculino. Numa das tentativas frustradas de adentrar nos EUA, mas desta vez induzido, ele ouve o som e visualiza uma câmera de filmagem se movimentar cada vez que ele também se movimentava, o que o faz desistir de sair do aeroporto.

A linguagem mais comum no filme é a não verbal. Com a presença de gestos, cores, desenhos, mímicas, sinais luminosos e sonoros, assim como os formulários (cada um de uma cor conforme a solicitação desejada), selos de autorização, faixas no chão para a orientação da fila.

O maior momento do filme aconteceu quando Vicktor foi ser intérprete de um passageiro retido no aeroporto por portar remédios sem nota fiscal, alegando que seria para o bode, quando na verdade se tratava de remédios para o pai que não estava bem. Ao intermediar o conflito, pois só ele dominava o código, saiu-se muito bem, obtendo sucesso na tradução e na administração do problema.

Observa-se que o filme "O Terminal" é ríquissimo em detalhes e situações de comunicação, pois em todos os momentos, aborda-se a linguagem de uma forma diferente e criativa. Por fim, Vicktor Narvorski sai do aeroporto, adentra nos Estados Unidos, encaminha-se ao restaurante onde vê um cartaz do músico de jazz e ouve uma bela melodia. Feliz, finalmente, realiza o sonho de seu pai.


Os juízes

Os juízes, doutores vindos da cidade grande, faziam questão de demonstrar que não eram do lugar, que estavam ali apenas de passagem., à espera de promoção. Eram posudos, ganjentos, diziam frases latinas em seus discursos, “fero fers tuli latum ferre”, quem com ferro fere com ferro será ferido; o latim estava errado, mas, como ninguém sabia, não fazia diferença. Os homens do lugar ficavam murchos diante do juiz, gaguejavam e chegavam mesmo a perder a fala.




Açougues eram lugares de horrores. Minha mulher, grávida pela primeira vez, desmaiou ao entrar num deles. As moscas, as carcaças de porcos e vacas penduradas em ganchos, o sangue pingando, os fígados sobre o balcão – um espetáculo surrealista. Juízo semelhante sobre açougue emitiu Adélia Prado. “ O açougueiro e sua faca me expulsam, por que eu não tenho santidade, eu não sou digna de pôr os pés no lugar mais deprimente do mundo. Quando eu quero ficar humilde eu visito açougues, entro de um em um..( Adélia Prado, solte os cachorros p.9). De fato açougue é lugar de penitência. Se ainda se encontram açougues assim por este Brasil, imaginem como eram antigamente. Para escapar do incômodo havia uma alternativa: comprar carne do vendedor ambulante, quase sempre um negro, pés descalços, calça arregaçada, equilibrando tabuleiro de madeira na cabeça cheios de pedaços de carne, cobertos com folhas de bananeira, seguido por uma nuvem de moscas e cachorros, o que era normal. Empregado do açougueiro, ele apregoava a sua mercadoria: “ lombo de porco! Costela! Toicinho! Pernil! Fígado! Bucho!”. As donas de casa saíam à rua, ele tirava o tabuleiro da cabeça e elas escolhiam. Mas havia aqueles que preferiam ir aos açougues, minúsculos cômodos sem janelas com uma porta de grades à frente, sempre cheios de moscas.




Aconteceu que um juiz novo chegou à cidade cheio de boas intenções e se dispôs a se misturar com o povo. Saiu a caminhar tirando respeitosamente o chapéu para todos que se encontrava. Foi indo assim até chegar ao açougue Nossa Senhora de Misericórdia, propriedade do Tibúrcio, que acabara de matar um porco. A gritaria do porco ouvida na cidade inteira, dispensava propaganda. Gritaria de porco- carne de porco no açougue do Tibúrcio. E lá estavam as duas metades, pendentes do teto, penduradas em ganchos. O juiz, para puxar conversa, afirmou com a autoridade de sua voz: “ Então o senhor abate suínos!”. Tibúrcio perdeu a fala. Ficou gelado. Não sabia o que era infração da lei. O jeito era negar o crime. Gaguejou. Não senhor, não senhor...Eu só mato porco.




Um outro caso de desencontro entre os homens do lugar e os juízes efêmeros se deu quando um roceiro que viera à cidade para comprar querosene, sal, rapadura e fumo de rolo se sentiu premido por uma urgência fisiológica inadiável. Sem alternativas, fez o que normalmente fazia na roça. Valendo-se de um muro de adobes caído entrou num terreno baldio onde o mato crescera, abaixou as calças, agachou-se e pôs a obrar. Vinha por aquela mesma rua um juiz com chapéu panamá e guarda-chuva enrolado que fazia as vezes de bengala, costume generalizado naquela época, que, vendo o homem fazendo o que fazia, horrorizou-se com a falta de respeito, posto que era provável que por ali viessem a passar excelentíssimas senhoras. “ O senhor não sabe que é contra a lei defecar em público?”, esbravejou o juiz. Sem saber o que era “ defecar”, o roceiro entendeu a mensagem, e sem sair da sua posição deu uma lição de Filosofia de Direito ao juiz presunçoso: “ Seu dotô, há necessidades que são mais fortes do que a lei...”.

Extraído de “ O velho que acordou menino” de Rubem Alves